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Por que fracassaram as negociações para a segunda fase do acordo de Gaza?

13 de março de 2025, às 06h00

Cartaz denuncia o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, como “terrorista”, durante protesto em Roterdã, Holanda, 8 de fevereiro de 2025 [Mouneb Taim/Middle East Images via AFP/Getty Images]

O cessar-fogo em três fases entre Israel e Hamas, embora tenha proporcionado uma luz de esperança pelo fim do genocídio em Gaza, jamais teve chances reais de sucesso. A decisão do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, de violar os termos do acordo, ao proibir a entrada de bens humanitários, incluindo comida e medicamentos, no enclave palestino — ao agravar, assim, a fome em massa, mais um crime de guerra — jamais foi questão de “se” mas “quando”.

O acordo de cessar-fogo foi projetado minuciosamente para ser implementado em três fases distintas, realizadas em sequência, sob supervisão e garantias de três mediadores fundamentais: Catar, Egito e Estados Unidos. A integridade do acordo, de fato, repousa na capacidade dos mediadores de garantir o pleno compromisso das partes aos termos firmados. Ao contrário, no entanto, que credibilidade tem a assinatura dos mediadores e mesmo o processo de negociação, dado que Netanyahu pode simplesmente exigir a renegociação de um acordo cuja gestação já demorou oito meses?

Netanyahu realiza as negociações em duas frentes opostas: a primeira, com os grupos da resistência palestina, para reaver os prisioneiros de guerra ainda em Gaza, em troca de presos políticos palestinos nas cadeias de Israel; a segunda, junto a apoiadores, com sua retórica racista, beligerante e de franca incitação.

Como preparativo para violar o acordo, e para aplacar seus ministros supremacistas e hostis, Netanyahu mudou a equipe de negociação para a segunda fase, ao substituir os chefes do Mossad e Shin Bet por sua alma-gêmea, o ministro de Assuntos Estratégicos, Ron Dermer — um homem que, ainda em meados de outubro, disse a Antony Blinken, então secretário de Estado dos Estados Unidos: “Não haverá crise humanitária se não houver civis”.

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As conversas para a segunda fase estavam previstas para começar na primeira semana de fevereiro, mas Israel se negou a comparecer à mesa de negociações. Em um esforço desesperado para ganhar tempo e angariar o apoio americano, Netanyahu despachou Dermer a Washington. Sua missão: vender a ideia de renegociar o acordo em curso ao conseguir uma extensão da primeira fase.

Tamanho artifício se tornou emblemático da estratégia ampla de Netanyahu, ao buscar explorar arranjos diplomáticos para preservar o status quo, ganhar tempo e maximizar, neste entremeio, o número de prisioneiros de guerra israelenses eventualmente soltos, com um único objetivo posterior: retomar e finalizar seu genocídio e sua limpeza étnica em Gaza.

O momento não é coincidência. Com o crescente escrutínio internacional sobre os atos genocidas de Israel em Gaza e na Cisjordânia, Netanyahu busca investir na capitulação de Washington às demandas de Israel. Ao procrastinar as negociações, o premiê espera adiar os difíceis arranjos requeridos na segunda fase, em particular o fim do bloqueio e da agressão israelense a Gaza.

A gestão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de fato cedeu a Netanyahu, ao prometer enviar seu enviado especial para o Oriente Médio, Steve Witkoff, a Israel, para renegociar o cessar-fogo e garantir uma extensão da primeira fase por 50 dias. A decisão de Trump de acatar tão rapidamente aos caprichos de Netanyahu serve apenas para validar o ponto de vista do premiê sobre os Estados Unidos, como ele manifestou abertamente ainda em 2001: “A América é uma coisa fácil de mover”.

Ao aquiescer às manobras de Netanyahu, Trump não somente reforçou essa percepção como sabotou sua própria posição como líder global. Tamanho padrão de subjugação aos interesses israelenses continua a ressoar como um reflexo contundente da bizarra dinâmica das relações entre Washington e Tel Aviv, nas quais a política externa da Casa Branca parecem abalizadas quase exclusivamente pelo lobby colonial israelense.

O mais recente esquema de Netanyahu constitui mais um lembrete de que, enquanto Washington estiver disposto a se deixar “mover” à conveniência de Israel, progressos consideráveis sobre paz e justiça serão inalcançáveis. Em vez de agir como mediador — isto é, imparcial —, os Estados Unidos persistem em agir como cúmplice e avalista, ao reforçar os desequilíbrios de poder que perpetuam a perversidade israelense, por um lado, e a adversidade palestina, por outro.

Ao apoiar a demanda de Netanyahu para renegociar o acordo já em vigor, ao contrário de negociar o fim da guerra na segunda fase do plano, o governo Trump empodera, na prática, as prevaricações do premiê. Tudo isso permite a Israel prorrogar o sofrimento palestino sob o verniz de se engajar em supostas negociações. De fato, a extensão da primeira fase é nada mais que uma ferramenta para Netanyahu se consolidar no poder em meio ao turbilhão doméstico, à pressão internacional e à oposição crescente a seus esforços para consolidar de vez suas políticas de ocupação e apartheid.

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Ao apoiar a decisão de Netanyahu de cortar novamente o socorro humanitário a Gaza, Trump — como seu antecessor Joe Biden — ajoelha-se aos arbítrios de Netanyahu. A disposição americana em usar sua plataforma geopolítica a serviço de Israel é um fator de larga escala no recrudescimento da posição israelense, ao avalizar um regime racista e colonial investido em suas violações em vez de qualquer paz genuína.

A intransigência de Israel não é incidental: é uma política deliberada para preservar sua marginalização e opressão do povo palestino e impedir a conjuração de seu direito por um Estado autônomo e independente.

Israel também violou o acordo de cessar-fogo com o Líbano, ao se negar a retirar todas as suas tropas do sul do país dentro do prazo de 60 dias, também estipulado pela Casa Branca, bem como por Paris. Além disso, violou um tratado de décadas com a Síria, ao lançar ataques aéreos e invadir uma zona neutra para além da fronteira.

O anseio israelense em violar todo e qualquer acordo, de papel passado, não é apenas um fracasso da diplomacia, mas resultado direto de legitimar um criminoso de guerra que, uma e outra vez, mostrou que seu único objetivo é derramar mais e mais sangue. Se a comunidade internacional de fato quer o fim desse genocídio, então é urgente que deixe de tratar Netanyahu como um parceiro legítimo e comece a responsabilizá-lo por seus crimes.Ao negar aos palestinos sua autonomia, enquanto Washington segue comprometido a uma política externa israelocêntrica — moldada pelo messianismo cataclísmico cristão, bem como por lobbies coloniais sionistas —, o Estado ocupante manterá sua agressão na Palestina e além, ao garantir o fracasso de qualquer cessar-fogo.

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As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Monitor.