O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, anunciou na quarta-feira (19) que “de agora em diante, todas as negociações serão conduzidas sob fogo”. Suas palavras, é claro, não têm sentido algum, sobretudo devido ao fato de que as negociações prévias para um acordo de cessar-fogo foram certamente realizadas debaixo de fogo. A fala de Netanyahu parece desejar o esquecimento dos longos meses de genocídio israelense a Gaza e sua população, que antecederam o cessar-fogo, como se assassinar dezenas de milhares de civis e destruir toda a infraestrutura civil do enclave — como vimos a olhos nus — simplesmente jamais houvesse acontecido.
O ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, seguiu a deixa de Netanyahu e enunciou às claras suas próprias ameaças de matar, em massa, a população civil palestina de Gaza. Sua retórica é um exemplo nítido de como Israel desumaniza os palestinos ao enxergar todos como “terroristas”, na persistente falácia de “segurança e autodefesa” do Estado ocupante, como forma de demonizar o movimento legítimo de resistência.
“Aceitem o conselho do presidente dos Estados Unidos [Donald Trump]”, declarou Katz, pomposamente. “Devolvam os reféns e acabem com o Hamas e teremos outras opções para vocês, incluindo sair [de Gaza] para outros lugares do mundo que queiram recebê-los”. Todavia, os civis palestinos não são responsáveis nem pelos prisioneiros de guerra israelenses ainda no enclave nem pelo Hamas e, sem dúvida alguma, não estão afoitos a capitularem a este chamado por limpeza étnica — que é o que é. O ministro ignora o fato de que colonizadores e seus aliados não têm direito algum de impor tais condições aos povos colonizados ou sob ocupação. Caso Katz tenha se esquecido, o colonialismo de assentamento e a ocupação militar israelenses na Palestina são ilegais sob o direito internacional, bem como todas as ações conduzidas em seu nome.
Caso não cumpram os arbítrios de Israel, insistiu o ministro, a resposta será “destruição absoluta”. Trata-se de mais uma declaração aberta de uma liderança israelense de suas intenções, ou dolo, de genocídio. Espero que o Tribunal Internacional de Justiça (TPI), em Haia, onde o Estado israelense é réu por genocídio sob denúncia desde janeiro de 2024, esteja de fato tomando notas.
A linguagem adotada pela comunidade internacional não é muito melhor e — embora palavras somente não são capazes de parar o genocídio — líderes ocidentais parecem ainda ansiosos em seguir as deixas de Israel. Ao falarem como se o genocídio em Gaza não fosse um genocídio, ou estivesse apenas em seus primeiros instantes, as lideranças no Ocidente se apegaram a clichês e platitudes de costume, ao ecoar expressões como “conflito” e “preocupação”. Tudo isso como se os palestinos de Gaza não tivessem sido massacrados, deslocados, soterrados sob os escombros e queimados vivos por meses e meses — como se os eventos antes, durante e desde a Nakba, ou “catástrofe”, de 1948 jamais tivesses acontecido.
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Embora a atenção tenha retornado a Gaza, a diplomacia internacional parece ser usada para evitar antagonizar Netanyahu, apesar de o próprio premiê pregar a “possibilidade de expandir os fronts ainda mais”, em referência particular à Cisjordânia ocupada. Não há um único palestino, parece, que está seguro da sanha de sangue de Israel.
Será que os líderes mundiais terão a dignidade de confrontar Netanyahu sobre a linha do tempo e suas declarações facciosas sobre o genocídio, que compõem também parte essencial do próprio genocídio? A lei internacional não prevê o direito de lavar as mãos tampouco de se fazer de bobo.
Um genocídio em curso carrega diversas responsabilidades tremendas em si. Os líderes mundiais têm o poder de fazer colapsar o empreendimento colonial de Israel, contudo, escolheram permitir que desmoronasse Gaza, literalmente, e, ao que parece, então a Cisjordânia. Com notável hipocrisia, tais lideranças deram seu aval a um plano recente para reconstruir Gaza, muito embora Netanyahu jamais desse qualquer sinal de ter ao menos intenção de parar o genocídio, não importa o estágio deste processo. Será que a comunidade internacional decidiu coletivamente expandir o escopo da manipulação de sua narrativa humanitária para tornar a reconstrução parte permanente da linguagem, como fez com a concessão de dois Estados?
Toda essa linguagem parece avalizar a chocante omissão de muitos Estados sobre seus deveres legais sob a lei internacional, especialmente para fazer tudo a seu alcance para impedir e cessar um genocídio.
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Segundo Netanyahu, retomar o genocídio foi um “último recurso” pelo fato de o Hamas não ter libertado incondicionalmente seus prisioneiros de guerra. Vamos focar, por um instante, na retórica de “último recurso”. Dado que o exército de Israel violou o acordo de cessar-fogo por semanas, ao matar civis e bloquear a entrada de ajuda humanitária, os recentes bombardeios mortais não são uma “retomada” do genocídio, mas sim mais do mesmo. Devemos nos perguntar, portanto, se o genocídio — certa vez visto como o pior dos crimes sob a lei internacional — é hoje de fato normalizado e mesmo aceito a todos nós, caso palavras não bastem e ações não progridam? Bom, não é o caso?
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